FracaStarters #1 Zoë Quinn e a hipocrisia da mídia americana

FracaStarters #1 Zoë Quinn e a hipocrisia da mídia americana

18/03/2024 0 Por Geovane Sancini

Dizer que Zoë Quinn é um nome polêmico é uma obviedade, tal qual “Ferrari vai fazer uma estratégia imbecil na próxima corrida”, ou “Davy Jones não manja porra nenhuma de jogos”. Se você navega pela internet nos últimos 10 anos, provavelmente já ouviu falar nela, se nunca ouviu falar nela, abençoado seja seu ingênuo coraçãozinho, meu caro leitor, você não sabe a paz que tem. Eu não quero tocar na polêmica maior dela, nem com um cabo de vassoura de 2 metros. Mas ainda assim, esse será um artigo sobre uma das presepadas da Quinn, que obviamente passou batida pela nossa imprensa de jogos brasileira, e eu COMPREENDO.

Ao contrário da vez em que apontei a hipocrisia do silêncio com relação a censura da Sony, esse aqui é um assunto sem importância pra nós que jogamos videogames em Terra Brasilis, mas que lá fora… Foi praticamente tratado com silêncio, provando a hipocrisia e corrupção da imprensa de jogos norte-americana, e mais uma prova do porque todo mundo com dois neurônios tira sarro de jornalista americano de videogames.

Todo mundo pode criar uma campanha de financiamento, aqui no Brasil ou lá fora, aqui no Brasil por exemplo, o Catarse entregou jogos como 99 Vidas e A Lenda do Herói (Falando aqui de jogos que eu ajudei no financiamento), e lá fora, plataformas como Kickstarter e IndieGogo ajudaram vários jogos a se tornarem realidade, sejam grandes ou pequenos. Alguns dos jogos que analisamos aqui, como Lords of Exile e Last Beat vieram dessas plataformas.

Mas, para cada história de sucesso, existem 10 histórias de fracasso. Não me refiro aos jogos que não atingiram sua meta, já que nesse caso, ninguém perdeu dinheiro, e também não refiro a jogos que foram financiados e lançados, mas que ficaram aquém do esperado, como Mighty No. 9 e Tormenta: O Desafio dos Deuses, mas sim a jogos que foram financiados, mas nunca lançados… Como Trajes Fatais, ou Neil deGrasse Tyson’s Space Odyssey/Space Odyssey: The Video Game, que foram fundados, mas não viram a luz do dia.

Talvez eu faça um texto sobre o scam que foi o projeto do Neil deGrasse Tyson, mas no caso de Trajes Fatais, tem um bom documentário que o Renato Cavallera (Vulgo Renato dos Games, digo, Segredos dos Games) fez sobre a produção de Pocket Bravery que pincela MUITO nos problemas de Trajes Fatais, que não só foi a papagaiada que foi, mas que a longo prazo prejudicou MUITO, os desenvolvedores brasileiros que querem partir pro financiamento, quanto pros jogadores brasileiros, que ficam com 300 pés atrás quando vê um projeto de financiamento coletivo de jogo nacional… A não ser que você seja fã do Cellbit, mas enfim, divago.

O fato é que a Zöe Quinn, além de ter sido o catalista principal do Gamergate (não quero entrar nessa toca de coelho, mas é necessário mencionar), também teve sua cota na lista de projetos que foram ao Kickstarter e sucederam em arrecadar dinheiro, mas que NÃO ENTREGARAM ABSOLUTAMENTE NADA. Essa é a história do calote de Kickstarted in the Butt: A Chuck Tingle Digital Adventure.

Primeiramente, quem é Chuck Tingle?

Em teoria, ninguém sabe a verdadeira identidade de Chuck Tingle, já que o nome Chuck Tingle é um pseudônimo, mas se a descrição do próprio pode ser dada como verídica, ele nasceu em Utah, e é um autor de livros que podem ser considerados como comédias eróticas gays. Você me pergunta, como assim, “Comédias Eróticas Gays, Sancini?” Bem, não dá pra levar a sério livros com os títulos: “Meu Triceratops Bilionário Quer Cus Gays”, “Comido pelo Presidente Pé Grande” e “Raptor Espacial: Invasão do Cu” (Tradução livre), títulos que soam como paródias daqueles livros que sua Tia Célia lia, que tinham um cara musculoso na capa, provavelmente o Fábio, e que são a origem dos livros de CEO milionário que come a funcionária, que infestam a Amazon e o Wattpad.

Não são livros que eu recomendo, mas como dizem, gosto é igual cu, cada um tem o seu. O fato é que por uma combinação de fatores, Tingle e a já mencionada Zoe Quinn se tornaram amigos, a ponto de Quinn ter sido a representante de Tingle nas vezes em que ele foi finalista do Hugo Awards. E dessa amizade, surgiu a ideia de fazer um jogo em FMV/date sim que adaptasse a ideia da estética das capas dos livros de Chuck Tingle. Nascia assim, o Project Tingler, que viraria Kickstarted in the Butt: A Chuck Tingle Digital Adventure.

O Kickstarter e o apoio da Imprensa Amiga

A primeira bandeira vermelha, vem no valor pedido por Quinn na campanha: sessenta e nove mil, quatrocentos e vinte dólares (U$ 69.420) porque “hahaha, numero engraçadão, olha como sou engraçada gente.” Isso demonstra uma clara imaturidade, pois qualquer pessoa que se depara com um financiamento coletivo, sabe que nem todo o dinheiro arrecadado irá ser alocado para a produção do mesmo. O Kickstarter cobra uma taxa de 5%, e outros 3% da taxa de processamento dos pagamentos, então fazendo uma conta rápida, arredondando pra 70 mil (pra facilitar cálculos), só nessas taxas, temos 5600 dólares indo embora nas taxas. (5553 dólares, se utilizarmos o valor de 69420 e sermos pedantes)

Chuck Tingle recebeu cerca de 1 a 2% do valor da meta do financiamento, que nos dá, cerca de 1000 dólares (1041 dólares para a contabilidade pedante.), Somando tudo, 6600 dólares (ou 6593 dólares) de gastos iniciais, mais de 10% do valor total. A segunda bandeira vermelha, é a falta de indicação para onde iriam os recursos. Isso é uma coisa que a maior parte dos projetos de financiamento coletivo possui. Geralmente, no popular “gráfico de pizza”, aparece para onde irão os recursos do projeto, como (X% de taxas do Kickstarter, Y% vai pra pagar programadores, S% para produção e envio de recompensas físicas, quando elas existem, Z% pra pagar os atores presentes, etc, etc). Novamente, sinal de irresponsabilidade. O próprio Kickstarter, em seu guia para criação de projetos, recomenda: Tenha uma Rede de Segurança, imprevistos podem acontecer, então peça um valor a mais do que você realmente precisa, para que os custos de imprevistos possam ser cobertos. Não com essas palavras, mas é essa a mensagem.

Normalmente, um projeto assim não ganharia tanta tração, só que bem, Zöe Quinn tem o apoio da Imprensa Amiga , logo, artigos sobre a campanha de financiamento surgiram a torto e direito, Kotaku, Metro, AV Club, The Daily Dot, Eurogamer, PCGames N, RockPaperShotgun, KillScreen, Logo, Inverse deram a publicidade necessária para atingir a meta, além de artigos revelando a existência do projeto, mostrado no blog da própria Quinn e em um vídeo da Vice 

A campanha, iniciada no final de outubro, alegava que o jogo estava em produção havia cerca de um ano, então, em teoria, não haveria muitos problemas em entregar o produto final na data inicial prometida, Fevereiro de 2017. O jogo não só atingiu a meta, mas arrecadou cerca de 85 mil dólares. Nada mal pra um projeto que está há um ano em produção, certo? Nos updates do Kickstarter, aos poucos as pessoas envolvidas no projeto iam sendo anunciadas, como Jim Stephanie Sterling (que já havia sido anunciada como parte do elenco), o dublador Dante Basco, o babaca do Wil Wheaton e o hoje infame wrestler Joey Ryan (as vezes é engraçado ver algumas coisas com o poder da retrospectiva).

Atrasos, adiamentos e… Cadê o Dinheiro?

Atrasos em projetos do Kickstarter acontecem, é natural, desenvolvimento de jogos é um processo arduoso e caótico, mas vamos combinar, que para um projeto que estava em desenvolvimento há um ano, é necessário um controle preciso de recursos, especialmente considerando o orçamento proposto, descontando as percentagens de taxas e o que Tingle recebeu, (6836 + 1041 = 7877 dólares) deixou Quinn e sua equipe para trabalhar com um total de 77.571 dólares. Mas, como Quinn não ofereceu um gráfico para indicar quanto vai para cada parte da produção (exceto as taxas do Kickstarter, taxas de pagamento e o valor que Tingle recebeu), fica difícil precisar o resto dos gastos, então agora vou entrar em Especulamania (meramente especulação), usando como exemplo, o gráfico de pizza do orçamento de Lords of Exile.

Taxas do Kickstarter: 7877 dólares. no KS de Lords of Exile, CZAzuaga colocou a taxa como sendo de 10% para arredondar, porque a taxa de pagamentos é 3% + 20 centavos de dólar/libra/euro por doação e a taxa de pagamentos pra doações abaixo de 10 dólares/libra/euro é de 5% + 0.05 centavos por doação.

Impostos: 18.798 dólares de impostos, possivelmente, pelo menos usando como base, os 22% de impostos da tabela de Lords of Exile.

Atores/Música/Merch: 29 mil dólares, arredondando pra baixo, e isso dividindo entre cachê para os atores/dubladores (a não ser que eles tenham topado ajudar Quinn de graça), arte, possíveis músicas e produção do merchandising prometido, além do envio de merchandising. Aqui, me baseio nos 34% da tabela de LoE.

Programação: 29 mil dólares, igualmente 34%. Como mencionei algumas vezes, Quinn não colocou nada, e os valores, com exceção das Taxas do Kickstarter, são mera especulação da minha parte.

Dando um pouco de crédito a própria Quinn, de acordo com aqueles que trabalharam na parte de programação do jogo, ela os pagou pelo tempo em que trabalharam no projeto. Fevereiro de 2017 veio e se passou,e obviamente, como deu pra perceber, o jogo fora adiado, sugestões de elenco, e um trailer de pré-alpha em Agosto, SEIS MESES depois da data prevista. E dali outros cinco meses de silêncio para os apoiadores, até que num update de Janeiro de 2018, veio que o jogo também sairia para mobile, porque bla bla bla 92% dos americanos tem um celular e blá blá blá mercado de games altamente politizado… (Me pergunto quem foi uma das principais responsáveis por essa politização, hein?)

Sete meses depois…

O bebê nasceu antes do esperado… Não pera, isso é sobre mim. Digo, sete meses depois, no fim de agosto de 2018, Quinn postou o último update no Kickstarter, intitulado “Updates e Desculpas”, no qual ela explica que o projeto estava com o futuro indefinido porque… O dinheiro acabou. E era isso.

Porém, o que fez muita gente erguer as sobrancelhas feito o The Rock, foi o fato de que ela postou essa atualização… E estava de férias no Japão, hospedada em hotéis caros. A ironia é que a mesma Imprensa Amiga que levantou tochas, acusou jogadores de serem istas e fóbicos durante o GamerGate, responsabilizou os mesmos pela eleição do HOMEM LARANJA e defende a Sweet Baby Inc, ficou em silêncio com relação a presepada do projeto da Zoë Quinn.

Kotaku, Metro, RockPaperShotgun? Silêncio puro. Jim Sterling, que fez fama brigando pelos direitos do consumidor contra práticas predatórias da indústria dos jogos? Você teria mais sorte perguntando a Bola mágica 8. Joey Ryan, o popular wrestler que tinha os druidas do pênis e tinha movimentos pélvicos em seu repertório de golpes? Bem, em 2020, rolou o movimento Speaking Out, em que vários wrestlers foram acusados de conduta inapropriada, assédio e até mesmo abuso sexual, físico e psicológico. E pelo menos DEZESSETE mulheres acusaram Joey Ryan, com isso, praticamente tornando o lutador, uma párea na indústria da luta livre.

Por quê esse artigo foi feito?

Sim, esse é um assunto de zero interesse pro jogador, ou imprensa de jogos brasileira, eu concordo absolutamente com essa linha de raciocínio, não me entenda errado. Mas acho interessante documentar esse curioso caso de hipocrisia da imprensa americana e irresponsabilidade/calote da Zoë Quinn, assim como o finado Lolygon uma vez documentou o Driv3rgate.

Fontes: Segredos dos Games, Niche Gamer, Kickstarter Handbook (Fees, Funding), VICE, Kickstarter (Lords of Exile) e Kickstarter (Kickstarted in the Butt: A Chuck Tingle Digital Adventure)